Impedimento de Dilma, se confirmado, não anularia processos contra a chapa no TSE, mas o presidente interino pode ser beneficiado por táticas para adiar o julgamento
Por: Laryssa Borges e Marcela Mattos, de Brasília
Nos
primeiros momentos de seu governo, o presidente interino Michel Temer (PMDB)
acenou para o mercado financeiro, garantiu a manutenção dos programas sociais
da administração petista e tenta viabilizar os pilares para o reaquecimento do
mercado doméstico. Aliados avaliam que o impacto inicial de sua gestão deve seguir
o que chamam de "efeito Macri", uma expressão que verbaliza o choque
de otimismo que tomou conta da Argentina com a ascensão de Maurício Macri e o
fim do ciclo kirchnerista.
Mas as reais perspectivas de um governo exitoso não
eliminam do horizonte um tema amargo para o peemedebista: as ações que tramitam
contra ele e Dilma Rousseff no Tribunal Superior Eleitoral. Juridicamente,
ainda que a condenação de Dilma no julgamento do mérito do impeachment no
Senado seja dada como certa, ela não seria capaz de interromper a tramitação
das quatro ações que questionam na corte a lisura da disputa presidencial de
2014. Mas Temer tem um trunfo para driblar o fantasma da cassação.
Hoje
tramitam na corte quatro ações que alegam que o abuso de poder político e
econômico e a irrigação continuada da campanha por propinas recolhidas no
escândalo do petrolão macularam o resultado das eleições que levaram a chapa ao
Dilma-Temer ao poder em 2014. O impeachment de Dilma tornaria impossível sua
cassação, mas nem por isso tiraria o objeto das ações, que afirmam que o
financiamento fraudulento maculou a vontade do eleitor. A partir de 2017,
quando a corte eleitoral se debruçará sobre o caso de forma mais aprofundada,
os ministros devem discutir se é possível que punições diferentes sejam
eventualmente aplicadas a Dilma e a Temer. Não há precedentes no TSE de
separação de chapas, ainda que ministros como o novo presidente Gilmar Mendes
defendam que o tema, crucial para Temer, seja levado a discussão. Sob essa
perspectiva, estaria em debate o grau do benefício que Michel Temer teve em
2014 com a propaganda considerada enganosa na campanha e com a arrecadação
viciada por propinas do petrolão.
Uma
situação análoga ocorreu em 2009, quando o TSE decidiu não penalizar o então
vice-governador de Roraima José de Anchieta Júnior (PSDB) por abuso de poder
econômico nas eleições de 2006. O processo atribuía ao governador Ottomar Pinto
(PSDB), morto em 2007, abuso de poder ao contratar terceirizados em período
eleitoral, doação irregular de insumos agrícolas e pagamento em dobro de
benefícios sociais, e o TSE considerou que as irregularidades beneficiaram
apenas o cabeça de chapa. Ainda assim, a corte não avançou no entendimento de
que a chapa de disputa eleitoral poderia ser divisível, como argumenta Temer.
Mesmo com o governador morto, o vice foi julgado no tribunal.
Sem
qualquer processo em que a tese de separação das chapas tenha tido sucesso, a
tendência é que, se a parceria Dilma-Temer for julgada, a petista, principal
beneficiária das irregularidades na campanha, seja punida com a perda de
mandato (na hipótese remota de que ela escape do impeachment) e a
inelegibilidade, ao passo que seu vice perderia apenas o mandato. "O que
pode acontecer na jurisprudência antiga é o cabeça de chapa ficar inelegível e
o vice não, porque os atos ilícitos terão sido imputados ao cabeça de chapa. O
vice, sendo apenas beneficiário, fica sem mandato", disse ao site de VEJA
o advogado e ex-ministro do TSE Torquato Jardim.
O entendimento de Jardim é que,
caso o TSE conclua que o dinheiro do petrolão também beneficiou Michel Temer,
já que seria impossível separar cada centavo de doações eleitorais legítimas e
ilegítimas, a chapa inteira seria cassada, mas haveria modulação das sanções a
serem aplicadas. "O candidato pode agir legalmente todo o tempo e não
fazer nada de errado. Mas, se terceiros praticarem atos ilícitos dos quais ele
se beneficia, ele perde o mandato, mas não comete crime e nem fica
inelegível", afirma.
O artigo
77 da Constituição Federal prevê que a eleição do presidente da República
também implicará a eleição do vice-presidente. Por isso, em tese, a
indivisibilidade da chapa obriga que a cassação do registro ou diploma de um
dos integrantes repercuta na esfera jurídica do outro político que compôs a
disputa. Para piorar as perspectivas do presidente interino, pelo menos desde
2008 o TSE tem estabelecido que os vices devem obrigatoriamente ser citados nas
ações eleitorais, pois também são alvos dos efeitos do julgamento. A ressalva
que poderia beneficiar Temer está no artigo 18 da Lei das Inelegibilidades, que
dispõe que a declaração de inelegibilidade do candidato a presidente da
República, governador ou prefeito não alcança necessariamente os respectivos
vices.
Um
advogado eleitoral e ex-ministro do TSE, falando sob condição de anonimato,
considera que, se o TSE levar a julgamento as ações de impugnação, não há como
poupar Michel Temer. "A influência maléfica do abuso elegeu Dilma e Temer.
Foram milhões e milhões de reais para a campanha de maneira ilegal. Temer
acabou como beneficiário do abuso", diz. Por este raciocínio, se a eleição
foi conquistada de forma ilegítima, de nada adiantaria Temer alegar inocência
ou desconhecimento nos métodos de arrecadação de 2014. "Nos processos de
abuso de poder, não depende de o candidato ter ou não praticado o ato, o
mandato é cassado. A diferença é que a inelegibilidade só é imposta em caso de
culpa", explica.
Se no
âmbito jurídico a situação é complicada, uma mudança política tende a facilitar
a vida de Temer. Agora parte do governo, o PSDB, autor da principal ação que
corre no TSE e hoje detentor dos ministérios de Relações Exteriores, Justiça e
Cidades, já não veria conveniência em patrocinar os processos de impugnação. Ainda
que o partido decidisse desistir da ação - hipótese praticamente descartada
dada sua repercussão negativa -, o Ministério Público Eleitoral, por considerar
o interesse público de eleições limpas, teria de dar continuidade às ações.
Dessa forma, Michel Temer não escaparia de ter o caso analisado pelo TSE.
Mas seria
possível arrastar a tramitação do processo na corte - por exemplo, se o PSDB
solicitar a produção de uma nova enxurrada de provas - todas as futuras
delações premiadas da Operação Lava Jato, por exemplo. A cada nova prova,
prazos são automaticamente abertos para as partes envolvidas, o Ministério
Público Eleitoral tem de ser notificado e as perícias e diligências têm de ser
analisadas com base nas alegações da acusação e da defesa.
Quanto
mais elementos de prova forem incorporados às quatro ações no TSE, mais difícil
será que Temer seja efetivamente julgado pelo tribunal eleitoral. Sem uma
discussão formal do TSE para estabelecer possíveis travas contra aditamentos
nos processos que pedem a cassação da chapa Dilma-Temer, as ações de impugnação
de mandato poderiam se arrastar indefinidamente. A lentidão da Justiça
eleitoral parece hoje para Temer uma aposta mais eficaz do que testar o
argumento de separação das chapas.
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